CACIQUE NAILTON PATAXÓ HAHAHÃE

Meu nome é Nailton Muniz Pataxó, um dos caciques aqui do Posto Indígena Caramuru, pertencente à etnia Tupinambá. Meu avô era Tupinambá e eu nasci no Rancho Queimado.

No Rancho Queimado, os funcionários do SPI venderam, arrendaram o nosso território e nós começamos a sofrer porque muitos tiveram que sair do seu território para uma luta fora da área.

Então, em 1975 me elegeram como uma das lideranças particular aos nossos parentes que estavam distantes, fora do nosso território, trabalhando de agregados nas regiões, tanto por perto como longe. E em 1982 a gente conseguiu juntar as pessoas que foram articuladas e retornamos à área de origem, aqui no município de Pau Brasil, numa ex-fazenda São Lucas, que o proprietário dessa fazenda era Gener Pereira Rocha.

Passamos 17 anos nessa fazenda São Lucas lutando, esperando que a Justiça resolvesse os nossos problemas, porque foi dada a entrada de uma ação de nulidade de título, no Supremo Tribunal em Brasília e nunca que esse processo era julgado.

E quando foi em 1997, o Galdino foi incendiado em Brasília e a partir desse momento, a gente começou a fazer ocupação e ter garantia de manutenção nas posses.

Nós passamos por muito sofrimento, muitas pressões, índios foram transferidos. Até mesmo em 1982 logo quando entrou aqui em 19 de abril.

Quando foi antes de novembro, teve que ser transferido para uma região denominada Almada, entramos com um mandado de segurança pedindo que os índios fossem transferidos de volta.

E com todo esse sofrimento só em 1997 nós começamos a ampliar, a crescer essa área e a manutenção de posse.

Quando foi em 1999 nós ocupamos 10 fazendas e isso foi um grande sofrimento na comunidade porque naquela época era a polícia militar que tirava os índios de dentro da terra, espancando os índios e entregando as fazendas que os índios ocupavam para os fazendeiros novamente.

E assim, o sofrimento dos Pataxó sempre continuava.

E quando nós tivemos resultado dessa luta no ano 2000, ocupamos mais outras fazendas onde tivemos muita pressão de fazendeiros, mas tivemos alguns resultados que correspondiam com o desejo da comunidade.

E a partir desse momento, começamos a andar mais constante em Brasília, e vimos que a espera pelo julgamento era uma espera muito cansativa e nós começamos então trabalhar pra preparar novas lideranças.

Então eu dei a ideia da gente trabalhar a formação de liderança dentro da área para que os jovens pudessem entender dessa luta e, já preocupado porque os anciões que começaram essa luta juntamente comigo, esses velhos morreram tudo e eu, dos que trabalhavam junto com eles, fiquei preocupado, porque o meu sonho era ver esse julgamento, o fim dessa luta. Porque quem começou a luta comigo, não viu o fim da luta, morreu.

A pessoa do Samaso, do Igino, Lucília, que era minha mãe, Desidero, Juvenal, Barretá, João Cravim, Edígio, Nelson Saracura, que não morreu mas mudou de aldeia.

Então isso foi me dando muita preocupação, e eu com medo também de morrer e não ver o fim da luta, foi quando surgiu a ideia de se criar a formação de liderança dentro da área. E aí foi quando a gente começou a reunir os jovens, dividir as tarefas para os jovens, explicando para os jovens que eram eles amanhã que iam estar de frente resolvendo esses problemas. E que nós, que somos velhos e ia morrer, e pra isso eles tinham que estar preparados pra botar o barco pra frente. Lembrei de todos os outros anciões que morreram e lembrei que a luta não parou, eu continuei a luta. Então por isso eu queria também formar lideranças para na minha falta eles botarem a luta pra frente.

Então assim, começamos esses trabalhos, com a divisão de tarefas, com a criação dos trabalhos de grupos, as roças comunitárias, as roças de grupo e as roças individuais, a caixinha para se fazer viagem, até que preparamos um grupo bom, e aí, pra finalizar essa preparação partimos para um ponto muito importante que foi o teatro para as retomadas.

Então nós se reunia, fazia a comparação de uma árvore como que fosse uma fazenda, uma sede e que o jovem ia ocupar essa sede para que a gente fizesse uma avaliação se funcionava no caso de uma ocupação. E assim, o que tava errado a gente consertava e foi dando certo, foi dando certo, até que a gente viu que a juventude tava preparada para tocar o serviço de retomada pra frente.

O nosso pensamento era formar liderança tanto em guerreiros para retomada como formar liderança pra reivindicar fora também, que viajasse para justiça, pra revindicar lá na justiça.

E aí a gente fazia o teatro, como que fosse aquela retomada, e que dois tivessem na cidade próxima, que é Itabuna, onde tem uma equipe do Cimi, e que três fossem a Salvador e que cinco fossem à Brasília. A gente escolhia outras árvores como que fossem a cidade na região, como que fosse a capital do estado e como que fosse a capital federal que era Brasília.

E ali a gente foi tentando ver qual era daquele jovem que ia realmente dar o recado na reivindicação na parte política, na parte externa, como é que era essa luta aí. Um grupo fazendo as retomadas e outro grupo saindo pra reivindicar.

E a gente descobriu que os jovens se empenharam mais na parte de guerreiros. Nós achamos que os jovens não estavam desenvolvendo nessa parte de reivindicação, pra divulgar na imprensa, pra tomar frente, pra representar realmente a comunidade e principalmente os grupos que estavam fazendo as retomadas.

Por isso começamos as retomadas na região de Itaju do Colônia que era uma região onde era bastante distante de uma sede pra outras, mas que as fazendas seriam muito grandes, então os jovens começaram a ocupar e a gente dando essas condições de apoio para o trabalho e orientando. Mas quando chegou o final das ocupações da região de Itaju do Colônia, as retomadas não estavam sendo divulgadas. Isso foi de janeiro de 2012 pra cá.

A gente viu quando o Aritanã Muniz, que é um menino jovem, começou a retomada da Fazenda Serrana do Ouro, fazenda muito grande, aí começaram as outras, ele começou a liderar, depois entrou o Tico, liderando um grupo junto com os seus filhos, mas não tava sendo divulgado na imprensa, não tava tendo aquela repercussão, aí foi quando eu fiquei preocupado com essa parte.

Aí foram feitas todas as ocupações nessa região de Itajú do Colônia. Aí sentamos e fomos avaliar os trabalhos e a gente viu que pra essa região aqui do Rio Pardo precisava de uma divulgação mais próxima à imprensa, uma reivindicação onde fosse dar um recado bem mais detalhado pra Justiça. E aí a gente viu que o jovem não tinha muito conhecimento, não gravou muito as informações, as orientações para os trabalhos da documentação histórica, essa coisa.

Aí foi quando eu achei que teria que estar junto com o pessoal, que o pessoal era um pessoal bom, mas mais na parte de guerreiros.

Aí foi quando eu retomei a frente pra divulgar as ocupações na região do Rio Pardo. Aí foi feita a primeira ocupação aqui no dia 12 de abril, na fazenda Baixa Alegre, que é a estrada do Rio Pardo. E a gente conseguiu com o mesmo grupo que ocupou aqui, se deslocar com destino ao Rio Pardo, ocupando todas as outras propriedades existentes aqui nessa região, onde é pertencente à área reivindicada pelos Pataxó Hahahãe, pelos índios que aqui vivem.

E assim, foram feitas as retomadas e, pra nós nessa luta, foi muito importante, quando chegou o dia 19 de abril, a gente sempre questionou que a gente não poderia estar comemorando em festa, comemorando em alegria o dia 19 de abril, que seria o dia do índio, porque nós estaríamos comemorando o assassinato de índios e terras roubadas de índios.

Então quando fechou o dia 19 de abril, foi o dia que completou 30 anos da primeira retomada que a gente fez na Fazenda São Lucas, completou 15 anos que Galdino foi incendiado vivo em Brasília e completou o final da ocupação desse território.

Então 19 de abril teve três comemorações aqui, que a gente considerou três comemorações históricas de perda e de ganho, que foi o dia que a gente comemorou 30 anos de chegada, 15 anos do assassinato de Galdino e o dia que a gente conseguiu ocupar todo esse território nosso.

Então baseado nesses trabalhos, a gente descobriu que a gente não conseguiu formar lideranças que trabalhassem todas as ocupações e que tivessem um conhecimento de divulgação, que fizessem essa parte política, mas eu pessoalmente, fiquei muito feliz em ver o jovem avançar nessa luta e ver o jovem acreditar nessa luta, se influenciar e estar disposto a se colocar à disposição pra fazer aquilo que foi conversado com eles.

E a gente chegar ao final dessa luta toda, sem morrer nenhum do nosso pessoal, não esquecendo das mortes que tiveram antes, que nós perdemos aqui aproximadamente quase 30 lideranças assassinadas desde 1982 até a data de hoje.

Então a gente foi somando isso aí, viu que no dia que a gente opinando, pra mostrar pra sociedade, pra mostrar para os movimentos indígenas, que nós vamos juntos resolver os nossos problemas. Que se nós ficarmos esperando pela Justiça, a gente ficar esperando por alguém decidir por nós, a gente não vai conseguir conquistar o nosso bem, o nosso território, nem vamos conseguir resgatar a nossa cultura, aquilo que a gente mais preza, porque a terra é a nossa vida, a terra é a nossa mãe. Sem a terra nós estamos vivos, mas nos consideramos mortos porque é da terra que a gente vai tirar o nosso sustento, é da terra que a gente vai gerar mais vida. E sem a terra a gente não pode se considerar ninguém.

Então diante de toda essa vontade que a gente tinha, hoje a gente está preocupado sim, porque já pegamos um território explorado, degradado, onde os nascentes foram mortos através do desmatamento, onde no nosso território foi plantado capim. Então, nós precisamos estar preocupados como nós fazer pra recuperar muitas coisas importantes que acabaram dentro do nosso território. Mas o importante é que nós hoje sabemos que essa preocupação que nós temos, que se nós quisermos, nós juntos vamos conseguir resgatar muitas coisas que foram perdidas dentro de nosso território.

Por isso, eu acho que outras comunidades indígenas estejam alertas com isso, tenha o exemplo dos índios do Posto Indígena Caramuru, do sul da Bahia, do município de Pau Brasil, e que pode contar com a gente porque a gente não resolveu ainda o problema dos índios, não.

Está sendo resolvido o problema dos Pataxó, dos Tupinambá, dos Camacã, dos Kariri-Sapuiá, dos Bahenã, que moram aqui nessa terra. Isso tá sendo resolvido.

Pra nós, o nosso compromisso é que um dia seja resolvido o problema dos índios. Que nós estamos aí juntos pra somar essa força e junto a gente tem certeza que vai conseguir descobrir de verdade, qual é o dia que vai ser o dia do índio. Porque até hoje a gente está preocupado, porque quando a Constituição de 1988 deu cinco anos de prazo pra resolver o problema do território dos povos indígenas do Brasil e que já estamos com 23 anos de atraso sem resolver esse problema, eu tenho certeza que é nós juntos.

O dia que o Supremo julgou essa ação, 02 de maio, os índios Pataxós, juntamente, com todos os que aqui moram nesse território, pra nós, nós já tinha julgado, porque nós já tínhamos expulsado todos os fazendeiros de dentro das nossas terras. Então, eu tenho certeza que o Supremo deu essa decisão porque não tinha mais o que julgar. Tanto que era um julgamento que a gente esperava de dois a três dias pra ser julgado pelo tamanho do processo. E isso dentro de quatro horas foi resolvido, só foram lá confirmar o voto, porque o julgamento do território já tinha sido feito pelos Pataxós. Então, eu gostaria que os nossos parentes, vizinhos e outros parentes do estado, do país inteiro e fora do país, tomem isso como exemplo. Que só nós é que sabemos onde são os limites das nossas terras e só nós podemos começar a abrir essas picadas para que a gente seja correspondido por aquilo que a gente mais deseja, que é ver o nosso território legalizado.

 

 

TUPÃCI

Meu nome é Tupaci, tenho 12 anos, filho de José Muniz. Ele falou que quando ele morresse ele queria eu ficasse com Titia (Mayá Pataxó Hahahae) para ajudar nas retomadas de terras.

Quando eu perdi ele eu fiquei muito triste, porque eu gostava muito dele, ele gostava muito de mim,  a gente brincava.

Ele morreu com 40 anos, na retomada na Alegria, de infarto de coração. Ele adoeceu e foram dar o socorro a ele mas os pistoleiros não deixaram o carro passar com o socorro, e nisso ele não aguentou e veio a falecer.

Ele era um homem muito forte. Quando eu crescer ele queria que eu cuidasse da terra, que eu fosse cacique. Eu falei pra ele que eu ia ser um filho bom pra ele, um grande guerreiro também. Ser que nem ele, forte, lutar pela nossa terra, ir as retomadas.

Algumas vezes eu fui com ele nas retomadas.

Eu vou na escola mas eu ajudo aqui em casa, eu trabalho aqui. Tem vezes que eu limpo o terreiro, roço, tem vezes que eu colho cacau mais meu irmão e minha irmã e trago pra secar aqui em casa.

Paínho pisava o tore. Antes dele falecer ele fez um toré aqui, a gente pisou toré eu fiquei mais ele.

Sobre a cultura ele sempre falava que a gente tinha que estar sempre no ritual pra aprender tudo, aprender a pisar o tore, a cantar. Ele queria que eu fizesse aula de língua indígena Tupinambá para quando eu crescer eu entrar nas aldeias.

Quando eu crescer eu vou ser que nem ele, esforçado, trabalhar bastante e fazer várias coisas que ele fazia.

Ser índio é bom porque a gente tem algumas oportunidades, a gente pode estudar, fazer faculdade. Os índios têm grande oportunidades pela frente, é só saber respeitar essas oportunidades que a gente chega lá. Eu falava que quando eu crescer eu queria ser advogado para defender a causa dos índios, nesses julgamentos.

Ele falava que eu era que nem ele, que fazia muitas amizades. Eu nunca pensava que ele ia morrer tão cedo.

Eu quase não converso com meus colegas na escola porque eles não falam comigo. Mas mesmo assim, o meu pai me ensinou que nós devemos estar sempre perto um do outro porque o Pai Tupã não aceita que nós indígenas temos que brigar uns com os outros. E eu vou seguir as palavras do meu pai.

 

DIDI

Meu nome é Edvaldo Lopes Malta, tenho 38 anos e meu apelido é Didi, conhecido também como Capilé. Capilé significa madeira de água doce no idioma indígena. E eu sou aqui da Aldeia Caramuru, na região do Rio Pardo, vizinho de Toicinho. Minha etnia é Kiriri-Sapuiá. Vivo aqui no Caramuru e também na aldeia Renascer, região de Alcobaça.

Vivo aqui, amo minha aldeia e amo meu povo. Nossa luta é muito importante, a gente sempre está aprendendo com as nossas lideranças.  A gente sempre senta com as nossas lideranças pra conversar e as lideranças sempre nos passando como devemos lutar para conquistar o nosso território.

Agora mesmo nessa luta foi muito importante.

Está no nosso coração tudo aquilo que os mais velhos e nossos antigos nos falaram, sobre o nosso território, sobre o que aconteceu com eles e isso foi nos motivando para a gente dar continuidade.

Meu avô e minha avó já partiram, não existem mais entre nós. Existem sim na espiritualidade porque eles falam com a gente. Eles nos orientam porque pra gente eles estão no meio da gente. Assim, ao olho, a gente não vê, mas estão aqui na nossa espiritualidade.

Nós jovens, guerreiros, já temos conhecimento que vamos pegando com os mais velhos, a gente senta e conversa. Já vimos que os mais velhos estão ficando cansados de tanto lutar então, nós partimos pra cima pra conquistar o nosso território.

Nós achamos que fomos muito importantes nessa luta, porque sentamos, programamos e partimos pra cima e conquistamos o nosso território.

E pra gente, quanto mais nós lutávamos, a gente recebia força dos nossos antigos, dos nossos antepassados lutando com a gente. As lideranças foram muito importantes porque nos ensinaram a guerrear.

A cada dia que passa ficamos mais prontos para agir a qualquer momento.

Nós agradecemos às lideranças, aos caciques, a Gerson, ao cacique Nailton, ao cacique João Cotia, que me instruiu, e alguma conversa com a cacique Ilza.

Como eles andam comigo, viajando pra Brasilia, Salvador, Ilhéus, Teixeira de Freitas, Itamarajú, então eu estou sempre aprendendo a lutar como defender nosso povo e o nosso território.

Agradeço à Dona Maria, que é mãe de todos nós, que é sempre a nossa conselheira, ela senta, tem a preocupação. Eu sei que o nosso Pai Tupã tem dado muita força a ela pra poder nos orientar com a sua doçura.

Nós estamos muito contentes com as nossas lideranças.

Eu tenho 38 anos, sou neto e quero ensinar aos meus filhos para eles darem continuidade.

Eu não alcancei o meu avô na luta, só as histórias dele e da minha vó. Meu avô chamava Caboclo Dionísio e a minha avó, Jovina, que chamavam de jovem.